Sergio Pardal Freudenthal é advogado e professor universitário, especialista em Direito Previdenciário, atua há mais de três décadas em Sindicatos de Trabalhadores na Baixada Santista.

Foi no Terreiro do Pai Zoeira

Crônica publicada na Tribuna Livre na quinta-feira, 18 de março de 2021.

O Pai Zoeira carregava sete guias com dificuldade. Nem tinha certeza de coisa nenhuma, mas mantinha o Terreiro famoso pelas grandes festas. No fundo, algumas vezes até achava que recebia santo, em outras fingia na maior caradura.

Como não era reconhecido por nenhuma organização séria, inventava o Candomblunda ou a Umbandomblé, seita da profunda África inexistente, residência de Tarzan e Fantasma. Durante a crise, Pai Zoeira aplicou muitos golpes, especialmente na clientela de classe média. Aliado com banqueiros sem dinheiro e milicianos com muitas armas, cresceu seu patrimônio pessoal, às custas de ingênuos crentes.

Sem moral com qualquer orixá, Pai Zoeira passava a maior parte de suas festas recebendo dois exus (ou fingindo). Exus são mensageiros dos deuses, e o pai-de-santo sem-vergonha se apresentava conforme a ocasião exigia. Ou cavalgado pelo Malandro Zé Baiano, mais para ifá que para exu, era mais conselheiro do que levador de recados, ou pelo Exu Entrega-Tudo, cagueta, fofoqueiro, fazedor de cizânia. Como se, enquanto um defendia a soberania nacional, era o outro ungido pelo imperialismo representando a globalização. Em congeminências propícias, Pai Zoeira recebia o Erê Nem-Nem, trinta e tantos anos, ou o Preto Velho Dalmabranca, aconselhando o(a) consulente a ficar quietinho(a) pra não apanhar mais.

Agora, Pai Zoeira está arrancando seus poucos cabelos, a encrenca que arrumou é muito grave. Na péssima última sexta-feira de fevereiro de 2019, na festa pras autoridades, recebeu um índio que há muito tempo se anunciava, mas nunca chegava, o Caboclo Pandemia. Já tinha bebido a mais da conta, mais de quatro horas de festas, com as lindas pombas giras atazanando a cabeça do Capitão-Geral da Milícia Nacional, beócio cheio de poderes e vazio de conhecimento e intenções. Foi aí que Pai Zoeira se exaltou; de um lado o Zé Baiano alertava: “não ofereça o que não tens”; e d’outro, o Exu Entrega-Tudo, rindo, atiçava: “o cara é um imbecil, ofereça qualquer coisa, que não seja seu”. E o Pai Zoeira conjuminava com seus pobres botões: “nada é meu”. E aí desceu o Caboclo Pandemia, apresentando um plano fenomenal para recuperar a economia do Terreiro. O patrimônio de Pai Zoeira só tinha crescido, o Terreiro carregava as dívidas. Como uma republiqueta de bananas, o ditador faturando e o povo morrendo de fome.

O Pandemia prometeu: “acabo com todas as dívidas em menos de um ano. Sem sobrar um credor que seja, nem herdeiros”. O resultado foi infernal, sem restar credores, doadores, crentes ou descrentes. E se instalou de tal forma, que não para de matar, até não sobrar para quem pagar qualquer coisa.

O pior é que o Caboclo também se comprometeu com o Capitão-Geral da Milícia Nacional, que pouco se ligava se a entidade sobrenatural não distinguia nada nem ninguém. O Pandemia não se retira e é um touro bravo, em cima de cada cidadão, pouco importando se é um crente ou não, credor ou doador, democrata ou fascista.

Pai Zoeira, que nunca teve controle de nada, não sabe o que fazer. Mais hora menos hora, vai ter que prestar contas.