A contrarreforma da legislação previdenciária
O tema que o colunista apresenta sexta-feira, dia 11/11, no III Simpósio de Direito Previdenciário de Guarulhos, organizado pela OAB local.
A vitória da Civilização sobre a Barbárie no combate federal nos dá algum acalanto, alguma esperança na busca do Estado Democrático de Direito em sua forma mais plena, inclusive em relação ao Direito Social, especialmente trabalhista e previdenciário. Porém, a batalha foi dura e os resultados, especialmente no Congresso Nacional, nem foram tão promissores.
É por isso que a palavra de ordem, a imediata revogação das reformas trabalhista (2017) e previdenciária (2019), é, politicamente, um encanto; porém, nem me parece possível, além de não resolver os problemas causados pelas três décadas de neoliberalismo. No campo trabalhista (e nem me atrevo a me intrometer muito), a luta é pela regularização de contratos formais, garantindo direitos aos trabalhadores, além das devidas contribuições previdenciárias. De qualquer forma, merecem total repúdio escravizações disfarçadas, como o tal contrato intermitente. Também de muita importância resgatar o papel da Justiça do Trabalho, em defesa do hipossuficiente Trabalho, na relação com o Capital.
Na recomposição da nossa Previdência Social, também me parece muito difícil ressuscitar a Aposentadoria por Tempo de Serviço/Contribuição. Foi um benefício muito perseguido desde a Emenda Constitucional 20, de 1998. Ocorre que, restando como benefício voluntário apenas a Aposentadoria por Idade (65/62), a Aposentadoria Especial – para os que trabalham em condições insalubres, periculosas ou penosas – deixa de ser uma espécie da por Tempo de Serviço, passando a acompanhar a por Idade. Porém, as “vantagens” que a EC 103, de 2019, aponta são ridículas, com ínfima redução da idade para quem tiver o tempo completo de exposição às condições nocivas (25/60 – 20/58 – 15/55). Será preciso rever.
De qualquer forma, a maior perversidade da EC 103/2019 está nos cálculos dos benefícios.
Para importante lembrança, em 1995, os benefícios por invalidez ou morte tiveram seus cálculos equiparados aos decorrentes de sinistros laborais, acidentes ou doenças relacionadas ao trabalho. Nunca defendi a equiparação porque só serviu para aumentar as subnotificações ou mesmo as não notificações de acidentes do trabalho ou doenças laborais. Os infortunísticos devem ensejar benefícios com maiores valores, para que valha a pena lutar pela devida caracterização e comunicação. Enquanto os tecnocratas defendem que são todos iguais, saliento que os acidentários são diferentes dos comuns simplesmente porque na sua ocorrência o peão produzia lucro para o seu patrão.
Assim, prefiro comparar os cálculos perversos da EC 103/2019 com os que estavam dispostos em 1991, na redação original da Lei 8.213.
Pela reforma de 2019, todas as aposentadorias, inclusive a por invalidez, passaram a ser calculadas em 60% da média para quem tiver até 20 anos de contribuição. Somente a partir do 21º soma-se 2% por ano. Pois a Lei 8.213/1991 dispunha a invalidez em 80% da média, acrescido de 1% para cada ano de contribuição, até o máximo de 100%. Ou seja, com 20 anos de contribuição o resultado seria 100%.
Pior ainda ficou para a Pensão por Morte. A lei de 1991 determinava 80% da aposentadoria do(a) falecido(a), com mais 10% para cada dependente; apenas o(a) viúvo(a), teria 90%. Pois o retrocesso de 2019 levou o cálculo para os tempos da ditadura militar, em 50% da base de cálculo com mais 10% para cada dependente. Lembrando que se o(a) segurado(a) falece ainda não estando aposentado(a), a base de cálculo será a aposentadoria por invalidez que ele receberia se ao invés de morrer ficasse inválido(a).
E a maldade para pensionistas ainda segue. Nos tempos tucanos, em 1994, houve uma medida provisória que proibia o recebimento conjunto de aposentadoria e pensão. A imprensa apelidou o diploma de MP Mata-Viúva, que não chegou a durar dois meses. Alguém avisou à tecnocracia que eram benefícios de origens contributivas diversas; a pensão decorria das contribuições do(a) segurado(a) falecido(a) enquanto a aposentadoria se relacionava com as contribuições do próprio(a) beneficiário(a). Agora, a EC 103/2019 admite o recebimento conjunto dos dois benefícios, porém, com o fatiamento do que for menor. O maior, seja a aposentadoria ou a pensão, se recebe na íntegra; e o menor será fatiado, mantendo um salário mínimo na íntegra, 60% do segundo salário mínimo, 40% do terceiro, 20% do quarto e 10% do que sobrar a partir daí.
Imaginem a confusão do beneficiário recebendo a Carta de Concessão da Pensão, com a renda mensal bastante reduzida, e quando o valor é depositado ainda tem maiores perdas em razão do fatiamento.
No governo eleito, com todos os compromissos, teremos muito trabalho para retirar tais perversidades. Além disso, quando conseguirmos alterar a lei, todos os benefícios concedidos no período tenebroso terão direito a uma revisão, a partir da edição do novo diploma.
Em todo o mundo se discutem as contrarreformas nas legislações trabalhistas e previdenciárias. Se, de um lado, cresce o fascismo, respondendo aos problemas econômicos com as falsas patriotadas, apostando na ignorância, no medo e no ódio, exatamente nessa ordem e com as consequências que conhecemos bastante; por outro, a pandemia desvestiu as vitrines neoliberais, demonstrando que a Civilização exige Ciência e Solidariedade. Ciência e tecnologia a serviço da humanidade, com a Solidariedade inscrita nas leis, inclusive em tratados e acordos internacionais.