Sergio Pardal Freudenthal é advogado e professor universitário, especialista em Direito Previdenciário, atua há mais de três décadas em Sindicatos de Trabalhadores na Baixada Santista.

O Brasil continua campeão de Acidentes do Trabalho

O Brasil segue sendo, infelizmente, um dos campeões mundiais de acidentes do trabalho; mesmo com as alterações legais de 1995, que tentavam disfarçar.

Diferentemente do que dizem tecnocratas de todo o mundo, acidentes do trabalho e, por consequência, as doenças laborais, são diferentes de tudo o que existe por aí. No mínimo porque, por ocasião do infortúnio, o acidentado produzia lucros para um patrão.
Assim, a história dos Acidentes do Trabalho se relaciona diretamente com a exigência de indenizações. Surgem com a Revolução Industrial, com o trabalho assalariado e a responsabilidade patronal. Num primeiro momento a tese vencedora era a subjetiva, o patrão só teria que indenizar quando tivesse alguma culpa, seja até por simples omissão; porém, o Século da Civilização (e de duas Grandes Guerras) confirmou que a responsabilidade do patrão é objetiva, basta que o acidente ocorra quando a vítima está produzindo riqueza para o seu empregador.
Em nosso país, a primeira lei acidentária é de 1919, com o surgimento do seguro obrigatório sob responsabilidade contributiva do patrão apenas em 1944. Com muita luta dos trabalhadores, o SAT, Seguro para Acidentes do Trabalho, foi incorporado ao sistema previdenciário, em 1967, passando a ser monopólio estatal. É bom lembrar que a EC 20/1998 acrescentou uma regra possibilitando a sua privatização, até agora não regulamentada (e esperemos que nunca).
A Lei 8.213/1991 aconteceu num momento bastante complexo. Por um lado, nos rejubilávamos com a Constituição Cidadã de 1988, mas, por outro, a neoliberalismo iniciava a sua intervenção para destruição do Direito Social. As definições ali apresentadas são frutos de muita luta. O Acidente do Trabalho, art. 19, é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa. Em seu art. 20, equipara ao Acidente do Trabalho a doença profissional, produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade, e a doença do trabalho, a que ocorre em função de condições especiais em que o trabalho é realizado; nas duas hipóteses poderá se encaixar a Covid19. A lei equipara também ao Acidente do Trabalho, art. 21, o de percurso e mais uma lista considerável, inclusive apontando a concausalidade, quando o acidente ou doença não foi a causa direta, mas contribuiu para a invalidez ou morte do segurado.
Enquanto os benefícios previdenciários por incapacidade eram calculados em 80%, mais 1% para cada ano de contribuição, os infortunísticos pagavam 100% qualquer fosse o tempo contributivo do acidentado. As indenizações por acidentes do trabalho estariam cobertas pelo seguro obrigatório, ainda cabendo, na ocorrência de culpa patronal, mesmo que por mera omissão, uma nova indenização de responsabilidade direta do empregador.
Em 1995, como se o Acidente do Trabalho e seus equiparados fossem iguais a qualquer acidente ou doença, igualaram os valores dos benefícios. Com proventos iguais, as comunicações de acidentes ou doenças laborais perderam a importância. Qual seria a razão de lutar sobre o nexo causal da doença ou sobre o acidente escondido, se o valor a receber pela invalidez seria o mesmo? A tecnocracia conseguiu alguma alteração nas estatísticas, com muitos acidentes do trabalho deixando de ser comunicados. Porém, os acidentes com vítimas fatais não puderam ser escondidos.
Com a EC 103/2019 os valores voltaram a ser diferentes. A grave perversidade nos cálculos das aposentadorias, inclusive a por invalidez, dispõe em 60% para o segurado com até 20 anos de contribuição, acrescendo 2% para cada ano posterior. Como a invalidez por acidente do trabalho pagará sempre 100%, retorna a importância da luta pela comunicação de acidentes e doenças laborais, suscitando, certamente, mais ações acidentárias contra o INSS e indenizatórias contra maus patrões.
Com o desmonte das relações formais de trabalho, a primeira briga das vítimas de acidentes do trabalho será provar o vínculo empregatício com aquele que seria responsável pela contribuição do SAT. E a Covid19 tanto pode ser doença profissional, para os trabalhadores da saúde, quanto uma doença do trabalho, causada pela exposição a que o trabalhador foi obrigado a se submeter. Teremos bons combates.