Fatiamento para receber Aposentadoria e Pensão por Morte
Entre as perversidades da EC 103/2019, além dos cálculos dos benefícios, ainda temos o fatiamento para receber a aposentadoria, fruto das contribuições do segurado, e a pensão por morte de cônjuge.
Os regimes previdenciários brasileiros, tanto o Geral quanto os dos servidores públicos, são de caráter contributivo, assim, a aposentadoria do(a) segurado(a) está diretamente relacionada aos seus salários e contribuições, enquanto a pensão por morte teria como base as contribuições do segurado(a) falecido(a). Portanto, origens contributivas diversas suscitam benefícios independentes.
Também por princípio, em qualquer lugar, o mesmo regime previdenciário não pode pagar duas vezes a substituição da remuneração do segurado; é por isso que o aposentado que volta a trabalhar obrigatoriamente contribui, mas não tem direito a nenhum novo benefício. Da mesma forma, o mesmo regime não poderia pagar mais de uma pensão para o mesmo beneficiário, mesmo que originadas de segurados falecidos diferentes; não se pode acumular viuvez para fins previdenciários.
Em 1997, com a fúria neoliberal sobre direitos sociais, tentaram impor a inacumulabilidade de aposentadoria e pensão por morte, através de uma Medida Provisória apelidada “MP Mata-Viúva”, com duração de menos de um mês, admitindo o recebimento de benefícios diversos, com origens contributivas próprias.
Com a Emenda Constitucional 103/2019, o debate foi ressuscitado. Em seu artigo 24 dispõe a vedação de “acumulação de mais de uma pensão por morte deixada por cônjuge ou companheiro, no mesmo regime de previdência social” e em seu §1º admite a acumulação de benefícios, como pensão por morte com aposentadoria. Até aí, não temos novidades, são benefícios com origens contributivas diversas, só não pode o “acúmulo de viuvez”. Acontece que no §2º é apresentado o “fatiamento” do benefício menor.
Assim, é mantida na íntegra o benefício mais vantajoso, porém reduzindo em fatias o segundo benefício. No valor até um salário mínimo não se perde nada; do segundo salário mínimo ficaria somente 60%; do terceiro, 40%; do quarto salário fica 20%; e daí em diante apenas 10%.
Até vale fazer uma continha: João e Maria, casados há mais de 50 anos, estavam aposentados, ele ganhando 8 mil reais e ela 5 mil. Ficando viúva, Maria já teria uma perda bem grande, já que receberia apenas 60%, 4.800 reais. Ocorre que, com o fatiamento, a perda é ainda maior. Conservaria a sua aposentadoria na íntegra, seria o benefício mais vantajoso, e teria a pensão de 60% da aposentadoria do falecido em quatro partes, 1.200, 720, 480 e 240 reais, somando 2.640 reais. O casal vivia com a renda de 13 mil reais, e para a viúva sobrou apenas 7.640 reais, lembrando que cada qual contribuiu para suas aposentadorias e pensões para seus dependentes. Os tecnocratas ainda alegam que o salário mínimo será sempre respeitado; eles querem mesmo é que todos os benefícios previdenciários não passem de um salário mínimo, ou até mesmo um pouco menor…
A EC 103/2019 representa, sem qualquer dúvida, um enorme saco de maldades. Além de reduzir consideravelmente os cálculos dos benefícios, notadamente o da pensão por morte, ainda inventaram o fatiamento nos casos de acumulação. Para pagar mal, com a pior média, o neoliberalismo ressalta que o regime previdenciário é de caráter contributivo, deve buscar o tal equilíbrio financeiro e atuarial, mas quando se fala em trabalhador receber benefício, pouco importa a origem contributiva.